O LUTHIER E A MADEIRA: Uma breve leitura do processo de artesania de violões eruditos

 

O LUTHIER E A MADEIRA: Uma breve leitura do processo de artesania de violões eruditos

 

João Paulo Muniz Marin

 

Considerações Iniciais

 

O presente texto busca, de forma breve, analisar, através de entrevista e pesquisa a questão da utilização de madeiras nobres por parte de artesãos que constroem instrumentos musicais, mais especificamente o luthier[1] de violão para música erudita. A ideia é entender melhor como se dá a relação entre este oficio e a questão da comercialização de madeiras específicas paras tal, buscando uma leitura do processo dado para que a madeira legalizada possa chegar nas mãos do luthier. A entrevista também busca uma leitura da compreensão e entendimento deste processo por parte do próprio artesão.

 

O Luthier

 

A entrevista foi realizada com o luthier Gustavo Crespe, que reside atualmente na cidade de Campo Grande/MS. A partir do seu interesse pela musica, Gustavo também já desenvolveu seu interesse pela luteria, através da manutenção de instrumentos musicais diversos, mas foi à música feita pelos “violões clássicos/eruditos” que mais chamou sua atenção, sendo que, a 9 (nove) anos ele montou sua oficina, e nos últimos anos vem se dedicando exclusivamente a construção e manutenção de violões eruditos.

As pesquisas sobre o oficio o levaram a viajar para a cidade de São Paulo atrás de informações com luthiers experientes, dada também a dificuldade de se desenvolver o ofício apenas no estado de Mato Grosso do sul. A internet foi outra ferramenta de aprendizagem e troca de experiência utilizada por Gustavo, através de fóruns, vídeos e mesmo pela facilidade de se conversar com outros luthiers.

Para Gustavo, o único sentido de construir um violão de forma artesanal se deve exclusivamente as suas características únicas, relacionadas principalmente a sua mecânica e a utilização de madeiras nobres para sua construção, o que torna o instrumento único, com características acústicas particulares. Esse processo artesanal é muito diferente de processos utilizados pela indústria na fabricação, que necessita reduzir custos para que o instrumento chegue ao consumidor a um preço acessível, esse fato, por si só, já diferencia o violão da indústria e o violão do Luthier, que utiliza o que há de melhor, tanto nas madeiras, quanto nas demais peças e no tempo de mão de obra. Vale lembrar que praticamente todos os violonistas concertistas utilizam violões fabricados por luthiers em processo artesanal, com o mínimo em ferramentas e máximo em sensibilidade, esses instrumentos não são encontrados em lojas convencionais.

 

Tipos e origem das madeiras – a legalização e a certificação

 

O luthier Gustavo explica que o violão necessita de uma determinada mecânica para possuir uma boa acústica, e para tal, cada parte do violão é fabricada com um tipo de madeira específica, de acordo com as necessidades e características desejadas.

Ao longo do tempo, na trajetória de construção de violões, foi-se determinando as melhores formas de se construir, bem como as melhores madeiras a serem utilizadas na construção do instrumento, através de um processo de longo prazo, da tentativa e erro, e, mesmo assim, a arte da artesania do violão ainda está em desenvolvimento nos dias atuais.

Para a construção de um violão erudito é necessário adquirir madeiras de diferentes continentes (América do Sul, América do Norte, África, Europa e Ásia). O luthier Gustavo Crespe utiliza os seguintes tipos de madeira para a construção de cada parte do violão erudito:

 

Escala do Violão: Para a escala é utilizada o Ébano, uma madeira de alta densidade, tão densa que afunda na água. Sua procedência remete ao continente Africano e India (Ásia)

 

Braço do Violão: Para o braço pode ser utilizado o Cedro ou o Mogno brasileiros e o Maple, este último com procedência do Canadá (América do Norte) e do continente europeu (Alemanha, Itália, outros).

 

Tampa do Violão: Para a tampa do violão é utilizado o Abeto europeu (Itália, Alemanha), ou o Cedro Canadense. Em uma boa parte dos instrumentos de cordas é utilizado tradicionalmente o Abeto em sua parte superior (tampo harmônico) e em algumas partes localizadas no interior do instrumento, pois esta madeira confere uma característica peculiar de ressonância muito apreciada pelos luthiers.

 

Faixa e Fundo:  Para a faixa e fundo do violão é utilizado o Jacarandá-da-Bahia[2] (Brasil) ou o jacarandá Indiano.

 

Documento de Origem Florestal – DOF

 

O Documento de Origem Florestal (DOF), instituído pela Portaria n° 253 de 18 de agosto de 2006 do Ministério do Meio Ambiente (MMA), representa a licença obrigatória para o controle do transporte de produto e subproduto florestal de origem nativa. O DOF acompanhará, obrigatoriamente, o produto ou subproduto florestal nativo, da origem ao destino nele consignado, por meio de transporte individual: rodoviário, aéreo, ferroviário, fluvial ou marítimo.

Para utilização desse documento foi disponibilizado pelo Ibama o Sistema DOF. O acesso a esse serviço será feito pela pessoa física ou jurídica cadastrada em pelo menos uma das atividades e em situação regular junto ao Ibama, verificada por meio do certificado de regularidade.

As empresas de construção civil que utilizam madeira de origem nativa em suas obras também são obrigadas a ter registro no cadastro técnico federal. Tais empresas deverão fazer uso do Sistema DOF para receber ofertas de madeira (mediante aceite da oferta do fornecedor), bem como manter o saldo de produtos/subprodutos florestais em pátio (canteiro de obras) atualizado.

 

Operação Woodstock

 

Existe um caso emblemático no Brasil, envolvendo a madeira ilegal para produção de instrumentos musicais. No ano de 2007 a Polícia Federal, juntamente com a Polícia Militar e o Instituto Estadual de Florestas (IEF) deflagrou a operação Woodstock[3], com o objetivo de prender uma quadrilha que atuava na extração e exportação ilegal de jacarandá-da-bahia. A operação aconteceu simultaneamente nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Piauí e Distrito Federal. A quadrillha já teria exportado cerca de 13 (treze) toneladas da madeira para os estados Unidos.

Segundo matéria disponível na página online do Diário do Rio Doce “O jacarandá-da-bahia e outras madeiras nobres eram extraídas principalmente no sul da Bahia e enviadas ao Espírito Santo e Minas Gerais, onde eram manufaturadas e exportadas. O corte da madeira, de acordo com a Polícia Federal, era feito sem documentação legal, com notas frias. Segundo a PF, agentes públicos, inclusive policiais, participavam do esquema de extração e exportação ilegal, comunicando aos membros da organização criminosa, previamente, sobre as fiscalizações da Polícia Ambiental. A madeira era então enviada pelos Correios ou em contêineres. Segundo a PF, os criminosos também ofertavam o produto em um site na internet. De acordo com a polícia, a operação teve como objetivo atingir toda a cadeia envolvida no esquema: o extrator, o importador nos Estados Unidos, os grandes intermediários, os funcionários públicos e os fornecedores das notas fiscais frias usadas no contrabando.

Acusado de ser o líder do esquema, um luthier foi preso em um prédio da região sul de Belo Horizonte/MG. Ele vendia violões, guitarras e outros instrumentos através de um site na internet. Na época, segundo o advogado dele, o acusado não usa madeira ilegal nem é contrabandista. Ele informou ainda que a empresa dele é legalizada e possui autorização para a extração do jacarandá.

 

Conclusão não conclusiva

 

A análise da relação entre o luthier e o acesso aos diferentes tipos de madeira, necessitaria de uma investigação mais ampla e de uma fundamentação relacionada às leis que regem este tipo de atividade. A presente pesquisa buscou, de forma breve, envolver uma atividade de “campo”, ou seja, a entrevista com o luthier e também a pesquisa através da internet, utilizando-se de informações diversas, em páginas, como, por exemplo, do Ibama e de blogs de alguns luthiers.

 

Referências

 

http://joelsonluthier.blogspot.com.br/2009/03/o-que-significa-luthier.html - acesso em 25 de março de 2016, as 17:57.

 

https://pt.wikipedia.org/wiki/Abeto#Descri.C3.A7.C3.A3o_e_uso - acesso em 25 de março de 2016, as 17:57.

 

http://www.drd.com.br/news.asp?id=50029838194100001 – acesso em 28 de março de 2016, as 13:21

 

http://www.ibama.gov.br/servicosonline/index.php/licencas/documento-de-origem-florestal-dof - acesso em 29 de março de 2016 as 10:08

 

Entrevista realizada com o Luthier Gustavo Crespe no dia 25 de março de 2016 na cidade de Campo Grande/MS

 

 

 

 

 

 



[1] Luthier é uma palavra de origem francesa, que significa "fabricante de alaúde". Com o passar do tempo, a palavra passou a designar a profissão de todo aquele que constrói um instrumento musical, apesar de muitos não concordarem com esse uso genérico, achando que ela deve ser associada apenas aos que fabricam artesanalmente instrumentos de corda. No Brasil o profissional que conserta instrumentos musicais também é chamado de luthier, mesmo não fabricando nenhum tipo de instrumento. A luteria é uma arte que agrega conhecimentos diversos como, marchetaria, marcenaria, desenho, química, pintura, matemática, eletrônica e processos mecânicos.

 

 

[2] É também chamado caviúna, graúna, jacarandá-cabiúna, jacarandá-preto, jacarandá-una e pau-preto, é uma árvore fabácea natural do Brasil, especialmente dos estados da Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo

[3] Os 350 agentes federais que fizeram parte da operação cumpriram 25 mandados de prisão e 67 de busca e apreensão expedidas pela 9ª Vara Federal Criminal em Belo Horizonte. Os mandados judiciais foram expedidos no estado de Massachusetts, nos Estados Unidos, para onde é exportada a maior parte da madeira ilegal. O material é usado na produção de instrumentos musicais.

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